Crônica: o que é, características e tipos (com exemplos)
A crônica é um gênero textual caracterizado por textos curtos, de linguagem simples que retrata os aspectos da vida cotidiana, geralmente com toques de humor ou ironia.
Publicadas em jornais e revistas, as crônicas são um gênero textual que está entre o estilo jornalístico e o literário e tem como ponto de partida os acontecimentos daquele tempo e lugar.
O cronista busca inspiração para os seus textos nos acontecimentos recentes ou em situações banais do cotidiano e convida o leitor a olhar para o mundo como ele.
Esse estilo literário começou a se desenvolver no Brasil em meados do século XIX, juntamente com o nascimento da imprensa no país. Dentre os primeiros cronistas brasileiros estão Machado de Assis e José de Alencar.
O nome crônica, no entanto, já era usado para designar outro estilo de literatura desde o século XV. Na Europa medieval e renascentista, as crônicas eram os relatos dos fatos históricos.
A palavra chronica, em latim, faz referência ao tempo, à cronologia. Esses textos relatavam de maneira cronológica grandes acontecimentos, como conquistas territoriais e as grandes descobertas.
Características da crônica
A crônica é um gênero livre na forma e no conteúdo, mas algumas características estão presentes na maioria das produções. Conheça as principais características desse estilo literário:
O cotidiano é o ponto de partida
As crônicas partem de um acontecimento do dia a dia, como, por exemplo, uma fila de banco, um passeio no parque, a espera do ônibus no terminal.
O cronista não descreve simplesmente os fatos, ele os usa como ponto de partida para uma reflexão ou para o simples entretenimento do leitor.
A partir das lentes do cronista, o cotidiano é retratado com poesia e sensibilidade, podem divertir e até fazer críticas, mas sempre com uma linguagem leve.
Proximidade com o leitor
A linguagem da crônica é simples e coloquial, o escritor se aproxima do leitor e, em alguns casos, conversa com ele. Ao contar como enxerga determinado fato, o cronista permite que o leitor veja o mundo com seus olhos.
Além disso, o cronista também permite que o leitor passe a perceber fatos do seu próprio dia-a-dia de uma maneira diferente, fatos esses que muitas vezes passam despercebidos.
Utilização de ironia e humor
O humor e a ironia são características muito comuns em uma crônica. O humor geralmente está nas sutilezas, naquelas situações com as quais muitas vezes nos deparamos cotidianamente e nem prestamos atenção.
A linguagem da crônica é despretensiosa e leve, ela não busca convencer o leitor de algum ponto de vista, mas entretê-lo. Também é comum que as crônicas provoquem uma reflexão, mas de forma sutil.
Entenda também o que é humor e ironia.
Brevidade e efemeridade
As crônicas são breves, isto é, são textos curtos, com tempo, espaço e personagens limitados. E são também efêmeras, geralmente perdem validade em pouco tempo.
Isso acontece porque os temas utilizados como mote para os cronistas são acontecimentos daquele tempo, o que pode tornar a crônica sem sentido para um leitor em outro contexto ou tempo.
Vale ressaltar, no entanto, que nem todas as crônicas perdem-se no tempo, há crônicas que foram escritas há 50 anos e que continuam atuais.
Veja o significado de efêmero.
Tipos de crônicas
Apesar de ser um estilo livre e fluido, costuma-se dividir didaticamente as crônicas em alguns tipos. Veja alguns deles:
Crônica argumentativa
Na crônica argumentativa, também chamada de dissertativa, o autor defende algum ponto de vista e utiliza argumentos para justificá-lo, mas diferente o artigo de opinião, o autor não tenta convencer o leitor.
Seu intuito é apenas apresentar sua opinião, sem necessidade de provar nada. Assim como os outros tipos de crônica, apresenta uma linguagem leve e informal.
Saiba mais sobre artigo de opinião.
Crônica jornalística
A crônica jornalística combina elementos do jornalismo e da escrita criativa. Consiste em relatos ou reflexões sobre eventos cotidianos, geralmente escritos de forma pessoal e subjetiva pelo autor.
Essas crônicas frequentemente abordam aspectos da vida urbana, cultura, política e sociedade, oferecendo uma perspectiva única e muitas vezes emotiva sobre os acontecimentos.
Crônica descritiva
A crônica descritiva se concentra na observação e na descrição detalhada de pessoas, lugares, objetos ou situações.
Nesse tipo de crônica, o autor utiliza uma linguagem rica em detalhes sensoriais para criar imagens vívidas na mente do leitor.
Geralmente, a crônica descritiva não apresenta uma narrativa linear ou uma história central, mas sim um foco na exploração das nuances da vida cotidiana.
Crônica humorística
A crônica humorística tem como principal objetivo entreter e levar o leitor ao riso. Nesse estilo de escrita, o autor utiliza a ironia e o sarcasmo para abordar eventos do cotidiano, situações engraçadas ou aspectos peculiares da vida social, cultural ou política.
Os cronistas humorísticos muitas vezes usam um tom leve e descontraído, empregando técnicas como o exagero, a caricatura e a sátira para destacar aspectos cômicos da realidade. Podem explorar temas variados, desde situações cotidianas banais até questões sociais complexas, sempre com a intenção de provocar o riso ou a reflexão.
Crônica histórica
Estilo mais antigo de crônicas, a crônica histórica relata os eventos mais significativos relacionados a uma pessoa, lugar ou acontecimento ao longo do tempo, estabelecendo personagens, períodos e cenários específicos.
Guarda semelhanças com a crônica narrativa e tem como objetivo principal registrar os fatos ocorridos, apresentando-os através da perspectiva do cronista.
Crônica narrativa
A crônica narrativa conta uma história que pode ter acontecido ou não, com personagens, tempo e espaço determinados. Esse estilo de crônica pode ser escrito na 1ª ou na 3ª pessoa do singular e também pode conter diálogos.
Leia sobre narrativa e texto narrativo.
Crônica poética
Uma crônica poética é um texto em prosa em que o autor imprime uma linguagem poética, com lirismo. Assim como na poesia, é comum a utilização de figuras de linguagem, como por exemplo, metáforas, anáforas e antíteses.
Ao escrever uma crônica poética, o cronista busca retratar sentimentos e emocionar o leitor.
Exemplos de crônica
Minha ilha pequena (Marina Colasanti)
Vi a foto e me apaixonei pela ilha. Não me apaixonei pela realidade, mas pela ilha imaginária que guardei para mim.
Migingo é uma ilha tartaruga que flutua no Lago Vitória.
Uma ilha tartaruga, porque inteiramente coberta por uma carapaça de tetos metálicos, os tetos dos casebres de uma só janela e porta feitos de chapas de alumínio corrugadas, e mais os telhados dos 15 bares, o da farmácia, o do salão de beleza, e os dos inúmeros bordéis. Parece que os hotéis têm o mesmo telhado.
Como tartaruga, Migingo é enorme. Como ilha, é minúscula. São dois mil metros quadrados e 400 habitantes.
Basta girar levemente a cadeira enquanto escrevo, para ter à minha frente um inteiro arquipélago, as Ilhas Cagarras, que recortam o horizonte marítimo em Ipanema. Mas ilhas em mar aberto têm a amplidão a seu serviço e são mais difíceis de amar, escapam entre os dedos, enquanto uma ilha lacustre é como uma pérola na concha ou uma matrioska dentro de outra matrioska, tesouro contido, ilha protegida dentro de outra ilha. Pois se a ilha é, como aprendemos na escola, “um pedaço de terra cercada de água por todos os lados”, um lago, por sua vez, é um pedaço de água cercado de terra por todos os lados, ou seja, uma ilha líquida.
Vista de um satélite, Migingo deve parecer pequena como um pedaço de pão boiando em prato de sopa. Mas eu a vejo no imaginário como em um mapa antigo, rodeada por monstros marítimos e por embarcações piratas.
Os monstros são os enormes peixes Perca do Nilo, predadores originários da Etiópia que foram clandestinamente introduzidos no Lago Vitória para remediar a falta de fauna lacustre causada pela pesca predatória. Remediaram a seu modo, reproduzindo-se enormemente e devorando as espécies locais, antes de se tornarem canibais, os mais fortes comendo os mais fracos. Uma Perca do Nilo pode medir até dois metros, e pesar de 200 a 250 quilos.
As embarcações piratas da realidade não têm velas infladas de caravelas, são semi canoas com motor de popa que chegam na noite para roubar dinheiro, motores de outros barcos, e os peixes Perca postos a secar. É provável que esses piratas sem gancho, mas armados com bocas de fogo, gastem nos mesmos prostíbulos onde seria entregue pelos pescadores o dinheiro que acabaram de roubar.
“Meus amigos foram às ilhas/ Ilhas perdem o homem” escreveu Drummond. E tinha razão. Os dois primeiros pescadores que, pensando em economizar combustível nas suas pescarias, foram morar em Migingo, tiveram sorte. São hoje proprietários da maioria dos casebres. Mas os que seguiram seu exemplo e se amontoaram no espaço apertado, gastam nos bares o tempo em que não estão nos barcos, e gastam com as prostitutas o dinheiro ganho quando estão nos barcos.
Eu não sou um homem. Mulheres não são citadas no poema de Carlos. Não há de ser por machismo, mas porque mulheres têm parte com as sereias.
Eu então, que levo Mar no nome, posso me apaixonar por uma ilha sem me perder. Ponho Migingo na bolsa, e a levo comigo para ser meu refúgio. Se a miséria brasileira pesar demais, se a educação for castrada nos seus mais legítimos princípios, se a cultura for transferida para os últimos lugares do interesse nacional, se a focinheira de machismo e homofobia for retirada, abro a bolsa e vou me deitar na ilha pequena e desabitada que só a mim pertence, pés na água de um lado, mãos na água do outro. E o céu, sem nuvens ameaçadoras, acima.
O pavão (Rubem Braga)
Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros; e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.
Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.
Bonitas mesmo (Martha Medeiros)
Quando é que uma mulher é realmente bonita? No momento em que sai do cabeleireiro? Quando está numa festa? Quando posa para uma foto? Clic, clic, clic. Sorriso amarelo, postura artificial, desempenho para o público. Bonitas mesmo somos quando ninguém está nos vendo.
Atirada no sofá, com uma calça de ficar em casa, uma blusa faltando um botão, as pernas enroscadas uma na outra, o cabelo caindo de qualquer jeito pelo ombro, nenhuma preocupação se o batom resistiu ou não à longa passagem do dia. Um livro nas mãos, o olhar perdido dentro de tantas palavras, um ar de descoberta no rosto. Linda.
Caminhando pela rua, sol escaldante, a manga da blusa arregaçada, a nuca ardendo, o cabelo sendo erguido num coque malfeito, um ar de desaprovação pelo atraso do ônibus, centenas de pessoas cruzando-se e ninguém enxergando ninguém, ela enxuga a testa com a palma da mão, ajeita a sobrancelha com os dedos. Perfeita.
Saindo do banho, a toalha abandonada no chão, o corpo ainda úmido, as mãos desembaçando o espelho, creme hidratante nas pernas, desodorante, um último minuto de relaxamento, há um dia inteiro pra percorrer e assim que a porta do banheiro for aberta já não será mais dona de si mesma. Escovar os dentes, cuspir, enxugar a boca, respirar fundo. Espetacular.
Dentro do teatro, as luzes apagadas, o riso solto, escancarado, as mãos aplaudindo em cena aberta, sem comandos, seu tronco deslocando-se quando uma fala surpreende, gargalhada que não se constrange, não obedece à adequação, gengiva à mostra, seu ombro encostado no ombro ao lado, ambos voltados pra frente, a mão tapando a boca num breve acesso de timidez por tanta alegria. Um sonho.
O carro estacionado às pressas numa rua desconhecida, uma necessidade urgente de chorar por causa de uma música ou de uma lembrança, a cabeça jogada sobre o volante, as lágrimas quentes, fartas, um lenço de papel catado na bolsa, o nariz sendo assoado, os dedos limpando as pálpebras, o retrovisor acusando os olhos vermelhos e mesmo assim servindo de amparo, estou aqui com você, só eu estou te vendo. Encantadora.
A perigosa aventura de escrever (Clarice Lispector)
"Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras.” Isso eu escrevi uma vez. Mas está errado, pois que, ao escrever, grudada e colada, está a intuição. É perigoso porque nunca se sabe o que virá – se se for sincero. Pode vir o aviso de uma destruição, de uma autodestruição por meio de palavras. Podem vir lembranças que jamais se queria vê-las à tona. O clima pode se tornar apocalíptico. O coração tem que estar puro para que a intuição venha. E quando, meu Deus, pode-se dizer que o coração está puro? Porque é difícil apurar a pureza: às vezes no amor ilícito está toda a pureza do corpo e alma, não abençoado por um padre, mas abençoado pelo próprio amor. E tudo isso pode-se chegar a ver – e ter visto é irrevogável. Não se brinca com a intuição, não se brinca com o escrever: a caça pode ferir mortalmente o caçador.
Cronistas brasileiros
O Brasil possui excelentes cronistas, dentre eles:
- Machado de Assis
- Lima Barreto
- Rubem Braga
- João do Rio
- Cecília Meireles
- Nelson Rodrigues
- Clarice Lispector
- Carlos Drummond de Andrade
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