Trovadorismo

Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Trovadorismo foi um movimento poético e literário que ocorreu durante a Idade Média, entre os séculos XII e XIV. Com influências da poesia provençal, o Trovadorismo teve lugar na França e na Península Ibérica, marcando as primeiras criações literárias da língua portuguesa.

Nessa época as poesias (chamadas de cantigas) eram feitas para serem cantadas ao som de instrumentos como a flauta, viola ou alaúde.

O movimento surge na sociedade medieval, dominada pela doutrina da Igreja Católica e pelas relações de feudalismo e vassalagem, o que resultava em contrastes sociais exacerbados.

Os trovadores tinham, em sua maioria, origens nobres e eram poetas da corte. Em geral, eram considerados homens de grande cultura. Já os menestréis e jograis, por norma, pertenciam a classes sociais mais desfavorecidas.

Além de entreterem o público com suas cantigas, estes poetas deixaram documentos valiosos que nos ajudam a compreender como se vivia naquela época.

As composições estavam fortemente ligadas à realidade do seu tempo. Falavam sobre temas do cotidiano, como o amor, a veneração da mulher, a vida do povo e os conflitos entre classes, podendo conter críticas sociais.

Suas cantigas podiam ser líricas (de amor e amigo) ou satíricas (de escárnio e maldizer). Enquanto as primeiras serviam para expressar sentimentos e emoções, as segundas ironizavam e criticavam figuras da sociedade, apontando suas falhas de carácter e comportamento.

Exemplo de cantiga do Trovadorismo:

Ai ondas que eu vim veer,
se me saberedes dizer
por que tarda meu amigo sem mim?

Ai ondas que eu vim mirar,
se me saberedes contar
por que tarda meu amigo sem mim?

(Martim Codax)

No exemplo acima, encontramos uma cantiga de amigo escrita pelo célebre trovador Martim Codax. Nela, temos um sujeito feminino que desabafa com a natureza (neste caso, o mar) sobre as saudades que sente do seu amado, que partiu.

Confira o mapa mental, com um resumo dos pontos-chave do movimento:

Mapa mental sobre o trovadorismo - principais pontos a reter.

Características do Trovadorismo

Uma das características mais marcantes do movimento era a união entre a poesia e a música: as cantigas dos trovadores eram escritas para serem apresentadas ao público, acompanhadas por instrumentos musicais. Por isso, possuíam grande musicalidade e ritmo, com a presença de repetições e refrões.

As composições usavam métricas e estruturas fixas, como a sextilha (seis versos), a redondilha maior (7 sílabas poéticas) e a redondilha menor (5 sílabas poéticas).

Para transmitir mensagens de forma velada, serviam-se de metáforas e símbolos, por exemplo, estabelecendo paralelismos entre os elementos da natureza e os sentimentos do sujeito.

Como os trovadores viajavam e se apresentavam em várias terras, as cantigas do Trovadorismo funcionavam como instrumentos de propagação da cultura e dos códigos de conduta. Elas estabeleciam expectativas sobre os comportamentos sociais, condenando aqueles que as infringiam. Por vezes, também podiam mencionar eventos históricos marcantes como as guerras.

Contexto histórico do Trovadorismo

O Trovadorismo aconteceu durante o período da Idade Média. Nesta época, o feudalismo e a Igreja dominavam a sociedade, e a influência da Igreja era dominante em toda a Europa. Por isso, os valores da sociedade eram regidos pela Igreja e pela fé no cristianismo.

No feudalismo, a sociedade era rural e as classes sociais eram fortemente hierarquizadas. Quem era proprietário de terras fazia parte da burguesia e possuía poder e dinheiro. Já os trabalhadores do campo (vassalos), trabalhavam nos feudos, serviam aos senhores feudais e viviam em condições muito simples.

Assim, a sociedade era dividida entre o clero (Igreja), a nobreza (senhores feudais) e a plebe (camponeses).

A Provença, no sul da França, é apontada como o berço do Trovadorismo. Os trovadores provençais foram os primeiros a desenvolver uma poesia lírica sofisticada, influenciada pelo ambiente multicultural da região.

O movimento se espalhou pela Península Ibérica, onde trovadores locais adaptaram as influências para o galego-português e o castelhano.

Saiba mais sobre o Feudalismo.

Cantigas do Trovadorismo

No Trovadorismo havia gêneros diferentes de cantigas: o gênero lírico (cantigas de amor e de amigo) e o gênero satírico (cantigas de escárnio e maldizer).

Nas cantigas líricas, os temas eram sobretudo os relacionamentos amorosos e os sentimentos nutridos pelo sujeito. As cantigas de amor se focavam no amor cortês, aquele que era vivido na corte entre os nobres e tinha um carácter idealizado.

Já as cantigas de amigo se focavam no amor natural, possível de ser concretizado e habitualmente vivido entre pessoas da mesma classe social.

Nas cantigas satíricas, os trovadores teciam críticas sociais, apontando os vícios de carácter e as más condutas sobretudo dos membros da nobreza e alta burguesia.

A maior diferença entre elas é que esses comentários poderiam ser feitos de modo indireto (escárnio) ou nomeando a pessoa a que se referem (maldizer).

Cantigas de amor

Nas cantigas de amor, o tema principal era a paixão, os sentimentos românticos e a dor do amor não correspondido (conhecida como “coita amorosa”). O amor era descrito como um sentimento perfeito e quase inatingível.

O sujeito é sempre masculino: um homem que está cantando sobre a mulher pela qual está apaixonado. Ele louva as suas qualidades, descrevendo-a como um ser perfeito e idealizado.

Uma das características mais marcantes deste tipo de cantiga era a vassalagem amorosa. O eu lírico se apresenta como um servo pronto a realizar todos os desejos da sua senhora, prometendo seu amor eterno, fidelidade e proteção da honra da mulher amada.

Exemplo de cantiga de amor:

Conheço certo homem, ai formosa,
Que por vossa causa vê chegada a sua morte;
Vede quem é e lembrai-vos disso;
Eu, minha senhora.

Conheço certo homem que perto sente
De si a morte chegada certamente;
Vede quem é e tende-o em mente;
Eu, minha senhora.

Conheço certo homem, escutai isto:
Que por vós morre e vós desejais que ele parta;
Vede quem é e não vos esqueçais dele;
Eu, minha senhora.

(autor desconhecido)

Na composição acima, vemos o profundo sofrimento de um homem perdido de amores por uma mulher que não corresponde aos seus sentimentos. Ele confessa o que sente e afirma que está chegando ao limite das suas forças.

Trata-se de um exemplo claro de vassalagem: para provar a intensidade do amor que sente pela dama, que pertencia à nobreza, ele está disposto até a entregar a própria vida.

Cantigas de amigo

Nestas cantigas, geralmente a narradora era uma mulher (eu lírico feminino), que descrevia e declarava seus sentimentos amorosos por um amigo ou pelo um homem amado.

Os temas da dor da separação, do sentimento de abandono e da tristeza pelo amor não correspondido eram os mais frequentes nas cantigas de amigo.

As cantigas de amigo, embora fossem narradas como se tivessem sido escritas por uma mulher, também eram escritas pelos trovadores.

Muitas vezes, expressavam a realidade das mulheres do povo, ao retratá-las em momentos cotidianos: pegando água na fonte, dançando em bailes e romarias, entre outros.

Exemplo de cantiga de amigo:

Ai meu amigo, coitada
vivo, porque vos nom vejo,
e, pois vos tanto desejo,
em grave dia foi nada
se vos cedo, meu amigo,
nom faço prazer e digo.

Pois que o cendal venci
de parecer em Valongo,
se m'ora de vós alongo,
em grave dia naci
se vos cedo, meu amigo,
nom faço prazer e digo.

Por quantas vezes pesar
vos fiz de[s] que vos amei,
algũa vez vos farei
prazer, e Deus nom m'ampar
se vos cedo, meu amigo,
nom faço prazer e digo.

(Martim Padrozelos)

Aqui, as declarações de amor são mais veladas, provavelmente porque são colocadas na boca de mulheres, surgindo muitas vezes como confidências a amigas ou familiares. A própria natureza é representada como confidente e cúmplice da relação.

Cantigas de escárnio

O tema central das cantigas de escárnio eram as críticas sociais feitas pelos trovadores. O Trovadorismo existiu no período do feudalismo e as cantigas de escárnio criticavam o modo de vida, os costumes e os valores que eram importantes para a sociedade burguesa da época.

As críticas feitas nas cantigas de escárnio não eram muito diretas. O mais comum era que as cantigas contivessem ambiguidades e trocadilhos que, indiretamente, faziam uma sátira da sociedade.

Exemplo de cantiga de escárnio:

Ai, dona feia, foste-vos queixar
que nunca vos louvo em meu cantar;
mas agora quero fazer um cantar
em que vos louvares de qualquer modo;
e vede como quero vos louvar
dona feia, velha e maluca!

Dona feia, que Deus me perdoe,
pois tendes tão grande desejo
de que eu vos louve, por este motivo
quero vos louvar já de qualquer modo;
e vede qual será a louvação:
dona feia, velha e maluca!

Dona feia, eu nunca vos louvei
em meu trovar, embora tenha trovado muito;
mas agora já farei um bom cantar;
em que vos louvarei de qualquer modo;
e vos direi como vos louvarei:
dona feia, velha e maluca!

(Joan Garcia de Guilhade)

Cantigas de maldizer

As cantigas de maldizer, assim como as cantigas de escárnio, também faziam críticas. A maior diferença era a maneira como elas eram feitas, já que nas cantigas de maldizer não havia indiretas ou trocadilhos.

Nelas, os trovadores eram diretos em suas críticas, era comum que citassem os nomes das pessoas satirizadas. O palavreado usado nas cantigas também era mais direito e grosseiro e incluía, até mesmo, o uso de palavrões e palavras obscenas.

Exemplo de cantiga de maldizer:

Marinha, o teu folgar
tenho eu por desacertado,
e ando maravilhado
de te não ver rebentar;
pois tapo com esta minha
boca, a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;
com as mãos tapo as orelhas.

(Afonso Eanes de Coton)

Trovadorismo em Portugal

O Trovadorismo teve em Portugal o seu centro irradiador na Península Ibérica. O país estava passando por momentos de transformação e crescimento, ao consolidar sua independência e aumentar os territórios e o comércio, por meio de guerras e navegações.

Podemos dizer que este também foi o momento em que a cultura portuguesa começou a despontar, de mãos dadas com a poesia trovadoresca, com o galego-português como idioma oficial.

O ano de 1198 é a data provável da primeira composição conhecida, a Cantiga da Ribeirinha ou Cantiga de Guaravaia, escrita pelo trovador Paio Soares de Taveirós, que assinala o marco inicial da literatura portuguesa.

Principais autores do Trovadorismo

Entre os autores mais célebres do período do Trovadorismo se destacam:

  • Afonso Eanes de Coton
  • Afonso Sanches
  • Affonso Fernandes Cubel
  • Aires Corpancho
  • Airas Nunes
  • Arnaut Daniel
  • Bernal de Bonaval
  • Bertran de Born
  • Dom Dinis
  • Guilherme IX da Aquitânia
  • Jaufre Rudel
  • João Garcia de Guilhade
  • João Soares de Paiva
  • Johan de Cangas
  • Joham Zorro
  • Juan Lopes d'Ulhoa
  • Lopo Dias
  • Meendinho
  • Martim Codax
  • Nuno Fernández Torneol
  • Paio Soares Taveirós
  • Pedro Afonso, Conde de Barcelos
  • Peire Vidal
  • Pero Garcia Burgalês
  • Pêro da Ponte
  • Ricardo Coração de Leão
  • Thibaut IV de Champagne

Principais obras do Trovadorismo

Os Cancioneiros são os únicos documentos que reúnem as cantigas do Trovadorismo. São coletâneas de cantigas com características variadas e escritas por diversos trovadores. Os principais são:

  • Cancioneiro da Ajuda

  • Cancioneiro da Vaticana

  • Cancioneiro da Biblioteca Nacional

Apresentamos, em seguida, alguns trechos de cantigas trovadorescas que marcaram o movimento:

Ai flores de verde pino (Dom Dinis)

Ai flores, ai flores do verde pinho,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do qui mi há jurado?

Cantiga de amor (Afonso Fernandes)

Senhora minha, desde que vos vi,
lutei para ocultar esta paixão
que me tomou inteiro o coração;
as não o posso mais e decidi
que saibam todos o meu grande amor,
tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi.

Ondas do mar de Vigo (Martim Codax)

Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo?
e ai Deus, se verrá cedo?
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado?
e ai Deus, se verrá cedo?
Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro?
e ai Deus, se verrá cedo?
Se vistes meu amado,
o por que hei gram coidado?
e ai Deus, se verrá cedo?

Resumo com os principais aspectos do Trovadorismo

Aspecto Descrição
Período Séculos XII a XIV
Contexto Histórico Idade Média, influenciado pelo feudalismo e pela Igreja Católica. Sociedade hierarquizada com clero, nobreza e plebe.
Origem Provença, sul da França; se espalhou pela Península Ibérica.
Características União entre poesia e música; uso de métricas e estruturas fixas (sextilha, redondilha maior e menor); metáforas e símbolos; temas do cotidiano e sentimentos.
Principais Temas Amor cortês, vassalagem amorosa, crítica social.
Gêneros de Cantigas Lírico (amor e amigo) e Satírico (escárnio e maldizer).
Principais Autores Dom Dinis, Martim Codax, Paio Soares Taveirós, Joan Garcia de Guilhade, entre outros.
Obras Importantes Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana, Cancioneiro da Biblioteca Nacional.
Exemplo de Cantiga "Ondas do mar de Vigo" (Martim Codax) - Cantiga de amigo

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Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
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