Eugenia: o que é, significado e como ocorreu no Brasil

Frank Arellano
Revisão por Frank Arellano
Professor de História e Mestre em Linguística

A eugenia, também chamada de eugenismo, consiste em uma série de crenças e práticas cujo objetivo é criar seres humanos "ideais" através do controle genético da população.

A existência da eugenia se explica na antiga crença de que os seres humanos seriam divididos em raças, e que umas seriam superiores e deveriam prevalecer.

Muitas pessoas, que eram vistas como inferiores, foram consideradas não dignas de existir ou ter descendentes, sendo assinadas ou submetidas à esterilização forçada.

O conceito de eugenia é uma filosofia social e não uma área da genética, cuja finalidade é uma nova organização da sociedade por meio da eliminação das pessoas ditas inferiores.

Origem do conceito de eugenia

Apesar de a prática já existir, o termo eugenia, palavra de origem grega que significa “bem-nascido”, foi criado pelo inglês Francis Galton, em 1883.

galton
Francis Galton.

Galton, primo de Charles Darwin, foi um cientista que tinha grande fascínio por assuntos relacionados à herança biológica. Ele acreditava que se fosse viável quantificar a hereditariedade, seria possível produzir seres humanos melhorados.

O conceito de eugenia humana teve uma repercussão muito grande nos Estados Unidos. Desde a Revolução industrial, muitos camponeses migraram para as cidades com o intuito de buscar emprego e consequentemente uma vida melhor.

Durante este período, os Estados Unidos enfrentaram pela primeira vez um problema de distribuição social.

Além da migração dos camponeses, outra fato marcante foi a chegada dos muitos imigrantes que vinham especialmente da Europa.

O conceito de Galton, na verdade, buscava manipular a genética humana para criar gerações futuras melhoradas.

No entanto, a eugenia acabou por assumir outras vertentes nos Estados Unidos. Foi considerada não só para possibilitar a reprodução de gênios (objetivo de Galton), mas para evitar que pessoas consideradas inferiores pudessem ter filhos.

Surge então o que foi designado de eugenia negativa.

Tipos de eugenia

Confira abaixo os dois tipos de eugenia existentes.

Eugenia negativa

A eugenia negativa tinha como objetivo impedir que pessoas consideradas "limitadas" pudessem se reproduzir.

Eram consideradas pessoas "limitadas", por exemplo, aqueles que tinham problemas mentais, doenças hereditárias, doenças contagiosas, etc. Ou ainda pessoas de diferentes etnias, como judeus e negros.

O conceito de eugenia negativa se tornou tão presente na realidade dos Estados Unidos que chegou a se tornar legal no país.

Um dos casos mais famosos, ocorrido em 1927, foi o de Carrie Buck. A jovem vivia internada na Colônia Estatal de Virgínia para Epiléticos e Débeis Mentais e o superintendente do local na época considerava que ela não deveria ter filhos.

O caso foi levado à Suprema Corte e foi considerado que Carrie apresentava problemas acentuados de desenvolvimento mental. Com isso, em uma votação que terminou com 8 votos a favor e 1 contra, ficou decidido que a jovem seria esterilizada.

carrie buck
Foto de Carrie Buck e sua mãe em 1924.

Desde então, em um veredito emitido pelo juiz Oliver Wendell Holmes Junior em 2 de maio de 1927, a esterilização de pessoas com deficiência passou a ser legalmente válida.

É importante ressaltar que a esterilização forçada é um ato de ataque à dignidade da pessoa e vai contra os preceitos dos direitos humanos. Quando é institucionalizada, ou seja, realizada pelo estado, permite que governos controlem e empunhem o seu poder sobre os corpos dos cidadãos, decidindo sobre suas vidas.

Eugenia positiva

A eugenia positiva consistiria no conceito de incentivar pessoas consideradas superiores e saudáveis a se reproduzirem para, desta forma, dar seguimento a uma espécie humana com características ditas desejáveis.

Essas características consideradas desejáveis contemplavam uma série de fatores como cor dos olhos, cor do cabelo, cor da pele, sobriedade e inclusive alguns pontos curiosos como amor pelo mar e genes de guerreiros.

Buscava-se aplicar a teoria da seleção natural, de Charles Darwin, sobre os seres humanos.

darwin
Charles Darwin.

A questão foi levada aos extremos nos Estados Unidos, onde eram organizados concursos em feiras agrícolas e até mesmo em universidades para definir quais famílias eram mais aptas a se reproduzirem.

Nesses concursos, as pessoas eram submetidas a testes psicológicos, provas médicas, provas de inteligência e eram obrigadas a disponibilizar um histórico familiar.

Àqueles que eram considerados aptos era dada uma medalha com a frase "Tenho uma bela herança".

Saiba mais sobre raça.

Eugenia nazista

Apesar de ter se disseminado com maiores proporções nos Estados Unidos, a verdade é que as ideias defendidas pela eugenia se espalharam por todo o mundo, inclusive na Alemanha.

A ideia fixa de Hitler de tentar estipular que determinada raça era superior à outra tem forte caráter eugenista. A Alemanha nazista colocou em prática os princípios eugenistas, no que podemos chamar de eugenia racial.

A abordagem nazista não se contentou com a esterilização das pessoas considerada inferiores e aplicou também o extermínio, matando milhões de pessoas, entre ciganos, homossexuais, pessoas com deficiência, mas especialmente judeus.

Nos campos de concentração do Holocausto, cerca 6 milhões de pessoas perderam suas vidas.

Auschwitz
Campo de concentração em Auschwitz.

Saiba mais sobre o nazismo e o Holocausto.

Eugenia no Brasil

Os primeiros textos sobre eugenia surgiram no Brasil em 1910, através de publicações da imprensa e de artigos sobre medicina.

Em 1918 foi fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo, fazendo do Brasil o primeiro país da América do Sul a sediar esse tipo de comunidade.

A Sociedade reuniu mais de cem associados, liderados pelo considerado pai da eugenia no Brasil: Renato Ferraz Kehl.

Além de fundador da Sociedade, Kehl foi médico e trabalhou em atividades de saneamento rural e educação higiênica e sanitária.

Foi o responsável pelo lançamento do Boletim de Eugenia (em 1929), publicação que circulou durante quatro anos com o intuito de divulgar os ideais do eugenismo entre os brasileiros. No mesmo ano, foi realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia.

No início do século XX, o grupo foi um dos responsáveis por afirmar que a população negra era causadora de uma série de epidemias e que a eugenia seria a forma de realizar uma espécie de “higiene social”.

Todo aquele que não se enquadrava no conceito de raça superior estabelecido era considerado um mal a ser combatido. Kehl defendia a esterilização de pessoas negras e indígenas.

Um dos principais objetivos da eugenia brasileira era o de combater imigração para evitar misturas de raças, garantindo a conservação de características raciais e físicas brancas.

De acordo os eugenistas, a mistura de raças que compunha o povo brasileiro tornava inviável a existência do Brasil enquanto nação.

As ideias eugênicas para o Brasil eram:

  • Branqueamento: mistura de outras raças com a raça branca europeia com o intuito de clarear a população.
  • Seleção de imigrantes: o fim da imigração de pessoas não brancas.
  • Instrução sexual com a intenção de garantir o perfil desejado de descendência.
  • Controle da reprodução humana: geração de filhos apenas entre casais dentro dos padrões eugênicos, com o intuito de formar uma elite brasileira "perfeita".
  • Controle matrimonial: não realização de matrimônios entre raças e classes sociais diferentes.
  • Esterilização forçada de pessoas não brancas.

Eugenia e Higienismo

A eugenia consistia em uma série de medidas que tinha como objetivo manipular e influenciar a formação genética da população, a fim de criar pessoas consideradas superiores.

O principal objetivo era garantir que pessoas não brancas, ditas “inferiores", como pessoas negras, judias, indígenas, com deficiências ou problemas de saúde não se reproduzissem.

Era o desejo eugenista que a população fosse formada apenas por pessoas brancas e com características físicas consideradas “desejáveis”.

Tendo em conta esse objetivo, foram adotadas medidas como a esterilização forçada, não realização de casamentos interraciais e assassinatos.

O higienismo, por sua vez, tinha como foco a saúde da população através de medidas que defendiam alterações de padrões sociais e de comportamentos das camadas mais pobres.

O surgimento do higienismo deu-se a partir de ideias de médicos e sanitaristas relativamente aos surtos epidêmicos de doenças como, tuberculose e febre amarela. Algumas das medidas defendidas pelo higienismo foram:

  • Tratamento da água.
  • Aterramento de charcos.
  • Posicionamento de cemitérios e matadouros em áreas afastadas da cidade.
  • Regulamentação de uma altura mínima para os tetos das habitações de forma a garantir uma ventilação adequada.
  • Recomendação de limpeza periódica das habitações.
  • Criação de serviços sociais que orientavam em relação às condições de moradia.

Ponto em comum entre eugenia e higienismo

Tanto as medidas adotadas pelos eugenistas quanto pelos higienistas geraram preconceito e segregação em relação a determinadas fatias da população.

Com a eugenia, negros, indígenas, imigrantes, homossexuais e pessoas com problemas de saúde passaram a ser considerados inferiores.

O higienismo, por sua vez, trouxe preconceito contra a população mais pobre, pois as grandes epidemias eram atribuídas às más condições em que viviam.

Diferença entre eugenia e higienismo

Apesar de terem como ponto comum o preconceito e discriminação gerados, a eugenia e o higienismo apresentam como principal diferença as medidas utilizadas por cada um para atingir seus respectivos objetivos. Considera-se que ambos buscavam a preservação das camadas privilegiadas da sociedade.

Enquanto a eugenia justificava seus fundamentos com base no âmbito genético, acreditando que a "boa genética" garantiria a existência de uma raça humana considerada superior. O higienismo fundamentava suas medidas na saúde, tentando alterar os hábitos sociais e de higiene das pessoas pobres.

O impacto dos princípios eugenistas na atualidade

É atribuído ao eugenismo muitos dos problemas sociais que se perpetuam de geração em geração, como o racismo, antissemitismo, homofobia, capacitismo, entre outros.

Os princípios eugenistas mostram, inclusive, de onde parte dos ideais de beleza, que a humanidade é submetida, surgiram.

É a base também para teorias discriminatórias relativamente a etnia, constituição física, classe social e orientação sexual. Certamente deixou marcas de cunho moral, com as quais a sociedade ainda nos dias de hoje se depara.

Veja também o que é evolucionismo social e etnocentrismo.

Frank Arellano
Revisão por Frank Arellano
Professor de História e Ciências Sociais por mais de 15 anos. Licenciado em História (2010) e Mestre em Ciências da Linguística (2015) pela Universidade de Los Andes em Mérida, Venezuela.
Outros conteúdos que podem interessar